sábado, 29 de dezembro de 2012

A RELIGIÃO COMO PARADIGMA FILOSÓFICO II



“A religião tem a sua base na diferença essencial entre o homem e o bruto. Os brutos não têm religião.” (FEUERBACH, 1988, pág. 12). O animal está imerso no seu mundo. Sente-o, vive-o e o aceita. A relação do ser humano com o mundo, ao contrário, é problemática. O ser humano é um ser partido entre duas realidades. A neurose é a rebelião contra um mundo impessoal e implacável, que vive em um mundo, por parte de um ser, que vive em função da imaginação, filha do amor. Nas palavras de Camus “[...] o homem é a única criatura que se recusa a ser o que é [...]”. O dualismo, ou mais precisamente a dialética, divide assim o mundo entre o que é (realidade objetiva) e o que deve ser (o ético), aquilo que é dado objetivamente como fato e as exigências antropológicas do homem que vive e sofre estes fatos e se organiza para sua superação. Tal conflito revela uma tensão entre a existência (o que é) e uma exigência ética de superação (a essência).
Tudo que o ser humano fala acerca de Deus, através da linguagem religiosa, nada mais é que uma confissão de suas aspirações e projetos. Deus só pode ser conhecido como homem. O discurso religioso, assim é a expressão-protesto da criatura oprimida, impossibilitada de se realizar dentro das condições dominantes. Sua realidade e seu projeto não desaparecem. Realizam-se simbolicamente nos símbolos religiosos, que se constituem num horizonte para a ação. Ele oferece os pontos de referência de um projeto político de liberação da essência. Quando, entretanto o horizonte se transforma em outro mundo, autônomo e independente, a verdade da religião se transforma em falsidade. O projeto político foi reduzido a um espaço e há um tempo já existentes. Torna-se inútil qualquer atividade de transformação. A consciência religiosa se traduz então em busca de salvação. Compreender a verdade da religião é compreender duas coisas. Primeiro, que se está condenado ao presente. A consciência o rejeita. A prática política pode transformar. Segundo, que as verdades da religião, escondidas em seu manto simbólico, poderão tornar-se verdades de amanhã.
Como a existência é tudo para o coração ela tem de ser infinita para a compreensão, assume os tributos da divindade. O que é religião?
 
O solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos íntimos, a confissão publica dos seus segredos de amor. Como forem os pensamentos e as disposições do homem, assim será o seu Deus; quanto valor tiver um homem, exatamente isto e não mais, será o valor do seu Deus. Consciência de Deus é autoconsciência, conhecimento de Deus é autoconhecimento. Deus é a mais alta subjetividade do homem, abstraída de si mesmo. este é o mistério da religião: o homem projeta o seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo, assim convertida em sujeito. (FEUERBACH, 1988, pág. 14).